Estudo técnico da responsabilidade civil das agências de trabalho temporário
1. Introdução.
A Lei 6.019/74 que instituiu o regime jurídico do Trabalho Temporário, cria as condições operacionais que envolvem três partes: A empresa Tomadora de Serviços; A agência de Trabalho Temporário e o Trabalhador. “Estudo técnico da responsabilidade civil das agências de trabalho temporário”.
Nessa relação existem dois contratos interdependentes e comutativos, o primeiro entre a agência e a tomadora, denominado de contrato – Mãe, que tem natureza civil, e o segundo entre agência e trabalhador, denominado contrato-filho, que possui natureza trabalhista, vinculado, por conta e ordem, a empresa tomadora.
Neste estudo analisaremos a responsabilidade civil da agência de intermediação de trabalhadores temporários. Para isso, analisaremos os conceitos no entorno da responsabilidade civil, suas classificações e a peculiaridades no entorno da relação de trabalho temporário.
2. Responsabilidade Civil – Conceito.
Maria Helena Diniz conceitua responsabilidade civil como “a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou animal sob sua guarda ou, ainda, de simples imposição legal”.
Para Sergio Cavalieri Filho, é um dever jurídico sucessivo que se originou da violação de dever jurídico originário.
A responsabilidade civil é, portanto, a obrigação de reparar o dano material ou moral, ainda que exclusivamente em dinheiro, pela prática de ato ilícito civil, oriundo de uma relação contratual ou legal.
Para que seja caracterizada a responsabilidade pela reparação do dano, é necessário que estejam preenchidos todos os elementos caracterizadores da responsabilidade civil, os chamados pressupostos ou elementos.
2.1 Elementos da Responsabilidade Civil.
A responsabilidade civil pressupõe a ocorrência de um ato ilícito civil, e seus elementos estão previstos no art. 186 do Código Civil (CC). Vejamos:
“Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
O ilícito civil é caracterizado pela soma de quatro elementos essenciais: Conduta, dano, nexo de causalidade e culpa.
- 2.1.1 A conduta, corresponde ao ato do indivíduo, que pode ocorrer de forma positiva (ação) – quando pratica um ato que deveria evitar, ou negativa (omissão) – se deixa de praticar uma conduta a ele arbitrada.
- 2.1.2 Ainda, o ato praticado pelo indivíduo deve gerar um prejuízo, seja ele material ou moral. A comprovação do dano é essencial para o nascimento do direito a reparação. No caso do dano moral, ocorre uma lesão a algum direito da personalidade, no caso do material o dano é patrimonial.
- 2.1.3 O Código Civil prevê ainda, a necessidade de um nexo entre a conduta do indivíduo e o dano causado a vítima. Ou seja, a ação ou a omissão do indivíduo deve estar direta ou indiretamente ligada ao dano que foi causado a vítima. Sem essa comprovação não há responsabilidade.
- 2.1.4 Por fim, a conduta deve ser voluntária – o agente deve ter consciência da ação cometida. A voluntariedade, neste caso, diz respeito a culpa do indivíduo. Sem culpa, em regra, não há ato ilícito, e, portanto, não há responsabilidade civil.
A culpa aqui tratada está em sentido amplo, ou seja, aborda a culpa em sentido estrito (negligência, imprudência e imperícia) e o dolo.
- 2.1.4.2 Nucci conceitua dolo como a conduta livre e consciente de praticar determinada conduta. Logo, no instituto da responsabilidade civil, o dolo é a voluntariedade propriamente dita, ou seja, a vontade livre e consciente de praticar o ato.
- 2.1.4.2 A culpa é dividida em três modalidades. Na imperícia o autor age sem ter a habilidade necessária, enquanto na imprudência o faz sem o devido cuidado. Por fim, a negligência é o ato omissivo pelo qual o indivíduo deixa de fazer algo que tem o dever de fazer, seja por força de lei ou previsão contratual.
Em todos os casos, haverá culpa do sujeito, e consequentemente, voluntariedade em seu ato, para que seja caracterizada a responsabilidade.
3. Classificação da Responsabilidade Civil
Para o Direito Civil, a responsabilidade é dividida em duas hipóteses. subjetiva e objetiva.
- 3.1 Quando subjetiva, depende de comprovação da culpa por parte do sujeito, além dos demais requisitos tratados acima, nos termos do artigo 186 do CC. Essa hipótese é tratada como regra, e somente haverá aplicação da exceção, quando a Lei prever expressamente.
- 3.2 A responsabilidade civil objetiva, está prevista no art. 927 do CC. Para ser caracterizada, é necessário que a conduta do indivíduo (2.1.1), cause um dano (2.1.2) e que haja um nexo de causalidade entre os dois (2.1.3).
A culpa (2.1.4), não é um requisito, pois a responsabilidade objetiva decorre de imposição legal., bastando que haja risco de dano para que haja responsabilidade de reparação. Vejamos o que diz o parágrafo único do artigo 927 do CC:
Art. 927 – Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.” (grifei)
3.3. Responsabilidade civil do Empregador pelos atos de seus Empregados.
Conforme disposto acima, o risco é a justificativa utilizada para a aplicação da responsabilidade de forma objetiva no direito civil. Para isso, a doutrina trouxe nome às diferentes áreas do risco, para fundamentar as diferentes hipóteses legais em que se aplica a responsabilidade objetiva. Entre elas está a teoria do risco profissional.
O empregador é responsável pelos atos de seus empregados, conforme fundamentos previstos no artigo 932, inciso III do código Civil. Vejamos:
“Art. 932. São também responsáveis pela reparação civil:
(…)
III – o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele;”
Essa teoria se fundamenta no fato de que os riscos da atividade econômica são do empregador, conforme dispõe o art. 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT).
“Art. 2º – Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que, assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação pessoal de serviço.”
Independente de haver culpa do trabalhador os danos causados a terceiros, pelos colaboradores da empresa durante o exercício do trabalho ou em razão dele, são de responsabilidade do empregador, conforme o artigo 933 do CC:
“Art. 933. As pessoas indicadas nos incisos I a V do artigo antecedente, ainda que não haja culpa de sua parte, responderão pelos atos praticados pelos terceiros ali referidos.”
Nesse sentido entende o Supremo Tribunal Federal em entendimento sumulado nº 341 onde dispõe: “é presumível a culpa do patrão ou comitente pelo ato culposo do empregado ou preposto”.
Em julgamento no dia 04 de dezembro de 2020, o Relator Ministro Jose Roberto Freire Pimenta trouxe excelente reflexão ao que seria a responsabilidade objetiva da empresa. Vejamos:
“RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR POR DANO CAUSADO POR SEU EMPREGADO. ARTIGOS 932, INCISO III, E 933 DO CÓDIGO CIVIL DE 2002. (…) A premissa fática dos autos é a seguinte: um dos colegas, durante uma movimentação, esbarrou no fio que ligava a resistência à tomada, vindo a derrubar a cafeteira e derramar parte da água aquecida sobre o reclamante. Nos casos em que o evento danoso sofrido pelo empregado provier da conduta dolosa ou culposa de um outro empregado ou preposto do seu empregador, por ocasião do trabalho ou em razão dele, este responderá independentemente de culpa pela consequente reparação, nos termos dos artigos 932, inciso III, e 933 do CC/2002, mormente considerando a atual tendência da responsabilidade civil de focar o dano sofrido pela vítima em solidariedade a ela, e não mais a visão punitiva tradicional de focar o dano causado pelo réu, de modo que, cada vez mais, a responsabilidade objetiva ganha espaço no nosso ordenamento jurídico. Acrescente-se que, nos termos do artigo 2º da CLT, é do empregador os riscos da atividade econômica, de modo que não deve o seu empregado, vítima de acidente de trabalho cometido por outro empregado, suportar as consequências do evento danoso, mas sim à empresa, a quem cabe dirigir, orientar, organizar e fiscalizar a prestação pessoal de serviços”
Assim, é possível concluir que o objetivo do legislador ao atribuir responsabilidade objetiva ao empregador, neste caso, não é apenas em relação ao vínculo de emprego propriamente dito, mas em responsabilizá-lo por todas ações praticadas por aquelas pessoas que o representam as quais se encontram sob seu poder diretivo, disciplinar e fiscalizatório, seja trabalhador ou empregado.
4. Trabalho Temporário.
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4.1. Conceito.
O Trabalho Temporário, nos termos do artigo 2º da Lei 6.019/74, é aquele prestado por pessoa física à empresa tomadora para exercer pessoalmente uma determinada função, por um prazo limitado, desde que seja exclusivamente para a substituição transitória de empregados efetivos afastados ou atender a uma demanda complementar de serviços.
A relação de trabalho temporário entre a empresa que demanda o trabalho e o trabalhador temporário é intermediada, por força de lei, por uma agência privada de trabalho temporário devidamente credenciada pelo Ministério da Economia.
No trabalho Temporário há uma relação interposta, sendo necessária a celebração de dois contratos (um de serviço e outro de trabalho), envolvendo os três sujeitos (utilizadora, agência e temporário).
O primeiro contrato é de serviço de intermediação de trabalho temporário, previsto no artigo 9 da Lei 6.019/74, celebrado entre a Agência de Trabalho Temporário e a Empresa Utilizadora, a qual necessita da força de trabalho adicional, conforme o artigo 42 do Decreto 10.854/21.
O segundo contrato possui natureza trabalhista e está previsto no artigo 11 da Lei 6.019/74. É um contrato individual celebrado entre a Agência com o trabalhador temporário, no qual deve obrigatoriamente ser indicada a empresa utilizadora, onde o obreiro prestará o seu labor, conforme determina o artigo 65, inciso II do Decreto 10.854/21.
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4.2. Empresa de Trabalho Temporário (Agência).
Empresa de Trabalho Temporário, denominada agência, pela Organização Internacional do Trabalho (OIT), é a pessoa jurídica, devidamente credenciada pelo Ministério do Trabalho e Previdência.
O serviço prestado pelas agências de trabalho temporário, consiste na atividade de intermediação. A agência tem a função de recrutar e selecionar o trabalhador temporário e celebrar a contratação individual da pessoa física, por conta e ordem da Utilizadora, assim como, assistir os trabalhadores quanto aos seus direitos, nos termos do artigo 48 do Decreto 10.854/21.
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4.3. Empresa Tomadora de Serviços (Utilizadora).
Empresa tomadora de serviços/cliente, denominada utilizadora pela OIT, é a pessoa jurídica que possui uma demanda complementar de serviços ou necessita da substituição transitória de um empregado próprio.
Sua responsabilidade dentro da contratação temporária é de definir o cargo/CBO, perfil do trabalhador, assim como a remuneração. Além disso, incube a ela o poder técnico, disciplinar e diretivo desse temporário, nos termos do artigo 58 do Decreto 10.854/21.
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4.4. Trabalhador Temporário.
Trabalhador Temporário, é a pessoa física, qualificada para exercer sua função, com horário e local pré-definido pela empresa utilizadora e a ela subordinado.
Importante ressaltar que, nessa relação trabalhista não existe vínculo empregatício entre o trabalhador temporário e a tomadora de serviços. Isso ocorre, porque, embora exista subordinação, habitualidade, onerosidade e pessoalidade na relação entre as partes, a Lei 6.019/74, previu em seu artigo 10, uma exceção à regra trazida pelo art.3º da CLT. Vejamos:
Art. 10. Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário”. (grifei)
No mesmo sentido, não existe vínculo de emprego entre a agência e o Trabalhador. Como exposto acima, todos os requisitos da CLT estão presentes entre Trabalhador e Tomadora. Os requisitos da relação de emprego não existem entre Agência e Trabalhador.
Além disso, a agência não pode usar a força de trabalho temporária por ela intermediada, por expressa vedação legal do art. 52 do Decreto 10.854/21. Vejamos:
“Art. 52. É vedado à empresa de trabalho temporário ter ou utilizar, em seus serviços, trabalhador temporário, exceto quando:”
5. Conclusão.
Após analisar os institutos que envolvem o questionamento central do presente artigo, chegamos às seguintes conclusões:
A relação de trabalho temporário possui dois contratos interdependentes e comutativos. Isso implica que, a responsabilidade civil da agência deve ser analisada obrigatóriamente, sob duas vertentes: No contrato civil, firmado entre agência e empresa utilizadora, e no contrato de natureza trabalhista firmado com o trabalhador temporário.
No primeiro caso, existe uma relação contratual civil, onde a empresa utilizadora paga o valor da prestação de serviços de intermediação de trabalho temporário, pela contraprestação da agência que estará diante de uma obrigação de fazer a colocação de trabalhadores temporarios a disposição.
Sua responsabilidade civil é a de recrutar e selecionar o trabalhador temporário e celebrar a contrato individual da pessoa física, por conta e ordem da Utilizadora, assim como, assistir os trabalhadores quanto aos seus direitos, nos termos do artigo 48 do Decreto 10.854/21.
Art. 48. Compete à empresa de trabalho temporário remunerar e assistir os trabalhadores temporários quanto aos seus direitos assegurados, observado o disposto nos art. 60 a art. 63.
Logo, estamos diante de uma responsabilidade civil subjetiva, onde será necessária a comprovação de culpa por parte da agência por eventual ilícito civil que venha a ocorrer na vigência do contrato.
No mesmo sentido, a responsabilidade civil da agência por eventuais ilícitos civis ocorridos no contrato de trabalho temporário, será considerada subjetiva.
Como exposto, o trabalhador temporário preenche todos os requisitos da relação de emprego junto a utilizadora, e não possui vínculo de emprego em razão da previsão do artigo 10 da Lei 6.019/74. Logo, eventual responsabilidade objetiva, para fins da teoria do risco profissional, será da utilizadora.
Isso porque, o poder diretivo, disciplinar e fiscalizatório do trabalhador, nos termos do art. 18 do Decreto, é da empresa utilizadora. Logo, eventual ato ilícito praticado pelo trabalhador, no exercício de suas funções ou em razão delas, será de responsabilidade da pessoa jurídica a qual ele representa, e está subordinado. Ou seja, a utilizadora.
A agência, neste caso, atua em substituição ao Governo, garantindo os direitos desse trabalhador. Além disso, como exposto acima, quem necessita da força de trabalho da pessoa física é a utilizadora, e ela quem colhe o resultado do trabalho desse temporário.
Por esse motivo, a pessoa física não é trabalhadora da agência, mas sim da utilizadora.
Diante do exposto, eventual responsabilidade civil da agência para com o trabalhador temporário, deve ser devidamente comprovada, sendo, portanto, subjetiva.
É o que havia a relatar.
Letícia do Nascimento Pereira
Advogada
OAB/SP Nº 457214.
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