A aplicação dos institutos da obrigação de meio e a obrigação de fazer infungível no contrato de intermediação de trabalhadores temporários previsto no artigo 9 da Lei n. 6.019/74.
Resumo.
O presente estudo tem como objetivo central compreender se há aplicabilidade da obrigação de meio e obrigação de fazer infungível ao contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a utilizadora de trabalhadores temporários.
Palavras chaves: trabalho temporário, contrato de intermediação, infungível, obrigação meio, agenciamento de trabalho temporário; obrigação de fazer.
- Sumário.
- Introdução; 3. Trabalho Temporário; 3.1. Regulamentação, 3.2. Conceito de Trabalho Temporário; 4. A Natureza Jurídica do Contrato de Serviços, 5. Responsabilidade Civil das Agências; 6. Conceito de Direito das obrigações; 6.1 Obrigação de fazer; 6.2 Diferença entre as espécies de obrigações fungíveis e infungíveis; 6.3 Resultado obrigacional; 7. Considerações finais.
- Introdução
O Trabalho Temporário, regulamentado no Brasil pela Lei n. 6019/74, é aquele prestado por uma pessoa física a uma empresa utilizadora, para atender à necessidade de substituição transitória de seu pessoal permanente ou à demanda complementar de serviços, nos termos do artigo 2º da referida lei.
Esse regime jurídico se propõe a ajudar na logística de pessoas no processo produtivo, garantindo segurança jurídica e previdenciária para os trabalhadores. O Trabalho temporário compõe as políticas públicas de emprego do governo federal, com o propósito de oportunizar rápido retorno ao mercado de trabalho de pessoal desempregado.
Para isso, a Lei 6.019/74 obriga a realização de dois contratos interdependentes e comutativos. O Contrato de serviços de intermediação (artigo 9º) e o contrato interposto e individual de trabalho temporário (artigo 11).
Neste estudo, analisaremos a possiblidade de interpretação do contrato de prestação de serviços de colocação de trabalhadores temporários, previsto no artigo 9 da Lei n. 6.019/74, com base nos institutos jurídicos previstos no código civil, e em caso positivo, a aplicabilidade das classificações obrigacionais de meio e infungíveis ao referido pacto.
- Trabalho temporário
- Regulamentação.
A primeira normatização do Trabalho Temporário no mundo ocorreu na França, em janeiro de 1972, quando surgiu a Lei 72-1, que disciplinou a colocação de Trabalhadores Temporários à disposição de Empresas Utilizadoras, por intermediação de uma Agência de Colocação de Trabalho Temporário.
O Brasil, inspirado na Lei francesa, foi o segundo país a normatizar o Trabalho Temporário. Em 1974 foi promulgada a Lei 6.019 instituindo oficialmente o regime jurídico de trabalho temporário no País.
No mesmo ano, foi promulgado o decreto do trabalho temporário – N° 73.841/74, que em conjunto com a Lei regulamentou a relação de trabalho temporário.
Até o ano de 2017, a Lei tratava apenas dessa relação jurídica, mas com a entrada em vigor das Leis 13.429 e 13.467, a Lei 6.19/74 passou também a tratar de outro regime jurídico, totalmente distinto do trabalho temporário, chamado terceirização de mão-de-obra, que até aquele momento não era previsto em nenhuma Lei.
Naquela ocasião, a Lei 6.019/74 passou por uma reforma em alguns artigos relativos ao Trabalho Temporário, com importantes conquistas ao setor e conceitos mais claros acerca de alguns temas. Veja os exemplos abaixo:
- Conceito de Trabalho Temporário.
O Trabalho Temporário, conforme exposto acima, é aquele prestado pela pessoa física, colocada à disposição da empresa cliente, por intermédio de uma sociedade empresária de trabalho temporário, nas hipóteses previstas em lei. Essa contratação, deve ocorrer, obrigatoriamente, por intermédio de uma agência privada, devidamente registrada junto a Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia, especializada na intermediação de trabalhadores na forma temporária.
É o que reza o comando legal previsto no artigo 4° da Lei n. 6.019/74.
“Empresa de trabalho temporário é a pessoa jurídica, devidamente registrada no Ministério do Trabalho, responsável pela colocação de trabalhadores à disposição de outras empresas temporariamente. (grifei)”
O termo agência é uma nomenclatura usada mundialmente pelo setor, cuja terminologia foi escolhida através da Convenção 181 da OIT (Organização Internacional do Trabalho) de 03 de junho de 1997, conforme art. 1, I, que esclarece que:
“Para os efeitos da presente Convenção, a expressão agência de emprego privada designa qualquer pessoa singular ou coletiva, independente das autoridades públicas, que preste um ou mais dos seguintes serviços referentes ao mercado de trabalho.”
Além disso, a atividade econômica da agência foi classificada mundialmente pela ONU – Organização das Nações Unidas, e está prevista no International Standard Industrial Classification of All Economic Activities ou ISIC (No Brasil – Classificação Internacional Normalizada Industrial de Todas as Atividades Económicas (CINI)), pelo código 7820 – Temporary employment agency activities – Atividades de agência de trabalho temporário[i].
O trabalho temporário é igual em todo o mundo, com pequenas particularidades. No Brasil, por exemplo, possui classificação dada pela Comissão Nacional de Classificação (CONCLA), na classe 78.20-500, denominada “Agência de trabalho temporário.”
Na mesma convenção 181 da OIT o artigo 1, I, “b” o termo “utilizadora” foi escolhido para denominar a empresa que possui necessidade de pessoal suplementar, o termo “utilizadora” é uma nomenclatura usada mundialmente para o setor, que foi escolhida através do art.1, I, b, da Convenção 181 da OIT.
“Serviços que consistem em empregar trabalhadores com o fim de os pôr à disposição de uma terceira pessoa, singular ou coletiva (adiante designada empresa utilizadora), que determina as suas tarefas e supervisiona a sua execução.” (grifei)
A empresa tomadora de serviços ou cliente, é a pessoa jurídica ou entidade a ela equiparada que, em decorrência de necessidade de substituição transitória de seu pessoal permanente ou de demanda complementar de serviços, celebre contrato de prestação de serviços de colocação de trabalhadores temporários através de empresa de trabalho temporário (agência), conforme art. 43, II, do Decreto 10.854/21.
O trabalhador, por sua vez, é obrigatoriamente pessoa física, o qual é recrutado, selecionado e contratado na condição de temporário. O executor da tarefa é o próprio trabalhador temporário. Sua contratação somente pode acontecer por intermédio de uma agência oficial de colocação de trabalhador temporário. E desde que, no contrato de intermediação, que trata o art. 9º, ora estudado, conste expressamente e de forma detalhada o motivo da transitoriedade.
Importante frisar que se trata de um regime jurídico trabalhista, específico para o trabalho temporário, onde a agência coloca à disposição da Utilizadora uma pessoa física para execução das tarefas, e não “um serviço” propriamente dito. Em outras palavras, quem presta o trabalho temporário é a própria pessoa física (trabalhador) que é qualificada para exercer a função e não a Agência que apenas administra o contrato individual de trabalho temporário.
Assim, destaco que, a função da agência é apenas a de providenciar as condições jurídicas para que o temporário fique à disposição da empresa cliente. A contratação do trabalhador só ocorre por determinação da utilizadora, única e real beneficiária da força de trabalho do temporário, detentora do poder diretivo, disciplinar e técnico sobre o trabalhador durante a vigência do contrato temporário. A agência presta o serviço de intermediação e a pessoa física presta o trabalho temporário.
Deste modo, conclui-se que, o regime de trabalho temporário é uma relação interposta, ou seja, para haver a prestação de trabalho temporário, é necessária a celebração de dois contratos: o primeiro de serviços entre Agência de Trabalho Temporário e a Empresa Utilizadora.
Nesse primeiro contrato, a empresa cliente autoriza, por sua conta e ordem, a agência a recrutar e selecionar o trabalhador temporário.
Nesse sentido, aduz o artigo 71do decreto 10.854/21:
“Art. 71. Para a prestação de serviços de colocação de trabalhadores temporários à disposição de outras empresas, é obrigatória a celebração de contrato por escrito entre a empresa de trabalho temporário e a empresa tomadora de serviços ou cliente, do qual constarão expressamente:”
Nesse sentido, inclusive, dispõe o Superior Tribunal de Justiça, em entendimento sumulado de n. 524, onde diz:
“Súmula 524 – No tocante à base de cálculo, o ISSQN incide apenas sobre a taxa de agenciamento quando o serviço prestado por sociedade empresária de trabalho temporário for de intermediação, (…) (Súmula 524, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 22/04/2015, DJe 27/04/2015) (DIREITO TRIBUTÁRIO – IMPOSTO SOBRE SERVIÇOS)” [ii](grifei)
De acordo com o entendimento do tribunal superior, a atividade desenvolvida pelas agências de trabalho temporário, na relação interposta entre agência, utilizadora e trabalhador, é de intermediação. Por esse motivo, o preço do serviço, para fins de incidência do Imposto sobre o Serviço de Qualquer Natureza, é a taxa de agenciamento, recebida pelas empresas em contraprestação a sua atividade de intermediação.
O segundo contrato, é contrato individual de trabalho temporário estabelecido entre a agência e a pessoa física do trabalhador, onde deve constar, obrigatoriamente, a denominação da empresa utilizadora que será beneficiada pelo esforço físico e mental do trabalhador contratado.[iii]
Esse contrato é de natureza trabalhista e possui um prazo de vigência limitado a 180 (cento e oitenta) dias, podendo ser prorrogado por mais até 90 (noventa) dias, somente se a demanda extraordinária que ensejou a contratação ainda existir.
Nesse sentido, o artigo 10 da Lei 6.019/74:
“Artigo 10. (…)
- 1° O contrato de trabalho temporário, com relação ao mesmo empregador, não poderá exceder ao prazo de cento e oitenta dias, consecutivos ou não.
- 2° O contrato poderá ser prorrogado por até noventa dias, consecutivos ou não, além do prazo estabelecido no § 1o deste artigo, quando comprovada a manutenção das condições que o ensejaram.” (grifei).
O contrato de trabalho temporário, apesar de possuir um prazo limite, não poderá ser estendido para além do período legal, já que não está vinculado ao seu prazo, mas ao motivo justificador (demanda completar de serviços ou substituição de pessoal permanente da empresa cliente).
Isso significa que, ao término do contrato pode ocorrer a qualquer tempo, dentro do limite legal, caso o motivo justificador termine antes do previsto. Neste caso, não ocorre rescisão antecipada, mas termino normal da relação de trabalho.
São assegurados aos trabalhadores temporários os seguintes direitos:
“Art. 12 (…)
- a) remuneração equivalente à percebida pelos empregados de mesma categoria da empresa tomadora ou cliente calculados à base horária, garantida, em qualquer hipótese, a percepção do salário mínimo regional;
- b) jornada de oito horas, remuneradas as horas extraordinárias não excedentes de duas, com acréscimo de 20% (vinte por cento);
- c) férias proporcionais, nos termos do artigo 25 da Lei nº 5.107, de 13 de setembro de 1966;
- d) repouso semanal remunerado;
- e) adicional por trabalho noturno;
- f) indenização por dispensa sem justa causa ou término normal do contrato, correspondente a 1/12 (um doze avos) do pagamento recebido;
- g) seguro contra acidente do trabalho;
- h) proteção previdenciária nos termos do disposto na Lei Orgânica da Previdência Social, com as alterações introduzidas pela Lei nº 5.890, de 8 de junho de 1973 ( 5º, item III, letra “c” do Decreto nº 72.771, de 6 de setembro de 1973).”
- A natureza jurídica do contrato de serviços
Nas palavras de Clóvis Beviláqua[iv], o contrato de prestação de serviços, é o contrato pelo qual uma parte se obriga a prestar certos serviços a outra, mediante remuneração.
Segundo dispõe o artigo 43, inciso VII do decreto 10.854/21:
“Art. 43. Para fins do disposto neste Capítulo, considera-se:
VII – contrato de prestação de serviços de colocação à disposição de trabalhador temporário – contrato escrito celebrado entre empresa de trabalho temporário e empresa tomadora de serviços ou cliente para a prestação de serviços de colocação de trabalhadores temporários de que trata o art. 9º da Lei nº 6.019, de 1974. (grifei)”
Proclama ainda, o artigo 9 da Lei nº 6.019, de 1974:
“Art. 9. O contrato celebrado pela empresa de trabalho temporário e a tomadora de serviços será por escrito, ficará à disposição da autoridade fiscalizadora no estabelecimento da tomadora de serviços e conterá(…)”
Portanto, é de rigor que o contrato interempresarial, estabelecido entre a agência de trabalho temporário e a empresa utilizadora, seja de natureza civil, e consequentemente regulamentado segundo os preceitos da legislação material e processual civil.
Além disso, na leitura do artigo 73 do decreto 10.854/21, artigo 15 do Código de Processo Civil e artigo 593 do Código Civil. Conclui-se que, compete a justiça do trabalho dirimir os litígios trabalhistas que envolvam a relação de trabalho entre a empresa privada de trabalho temporário, a empresa utilizadora e o trabalhador. Na relação entre as empresas, onde não participa o trabalhador, se aplica, exclusivamente, a legislação civil.
No que diz respeito aos conflitos que não envolvam a relação de trabalho, (como já demonstrado acima), a competência é exclusiva do Código Civil, como no contrato previsto no artigo 9° da lei 6.019/74.
Nestas palavras, o artigo 73 do decreto 10.854/21, esclarece que a relação comercial entre as empresas não compete a justiça trabalho:
“Art. 73. Compete à Justiça do Trabalho dirimir os litígios que envolvam a relação de trabalho entre empresa de trabalho temporário, empresa tomadora de serviços ou cliente e trabalhador temporário.”
O Código de Processo Civil, em seu artigo 15 se aplica ao artigo 9° da Lei Trabalhista n° 6.019/74. Veja o que diz o CPC:
“Art. 15. Na ausência de normas que regulem processos eleitorais, trabalhistas ou administrativos, as disposições deste Código lhes serão aplicadas supletiva e subsidiariamente”.
Como prevê o CPC/15 o artigo 593 do Código Civil se aplica exclusivamente a relação comercial entre utilizadora e agência. Veja o que diz o artigo:
“Art. 593. A prestação de serviço, que não estiver sujeita às leis trabalhistas ou a lei especial, reger-se-á pelas disposições deste Capítulo”.
Não resta dúvidas acerca da natureza jurídica do contrato previsto no artigo 9° da lei 6.019/74. A própria legislação trabalhista, prevê que esse contrato interempresarial deve ser interpretado pelos institutos jurídicos previstos na legislação civil.
- Responsabilidade civil das agências
A responsabilidade civil é a conduta positiva ou negativa que viola uma norma jurídica, gerando assim um dano a alguém e que condiciona o agente infrator a reparar o dano, ainda que, apenas pecuniariamente.
Para o Direito Civil brasileiro, em regra, a responsabilidade é subjetiva, ou seja, depende da comprovação de culpa para que se caracterize a responsabilidade indenizatória. Por outro lado, em alguns casos previstos em lei, há responsabilidade objetiva, onde a culpa não precisa ser comprovada para que haja obrigação de reparar o dano.
No caso das agências de trabalho temporário, não há previsão legal para justificar a aplicação da responsabilidade objetiva, portanto, sua responsabilidade perante o trabalhador e a empresa cliente é subjetiva.
Ressalto que, o trabalhador intermediado pela agência, desempenha suas tarefas na empresa utilizadora, sendo a ela subordinado. Destaco que, os artigos 932 e 933 do Código Civil, ao trazerem previsão sobre a responsabilidade objetiva da empresa pelos danos causados pelo empregado, menciona diretamente o termo empregador.
Como vimos, o trabalhador temporário não é considerado empregado, nem da utilizadora, tampouco da agência de intermediação. A base jurídica para essa conclusão está nos artigos 10 da lei n. 6.019/74 e 52 do decreto 10.854/21, onde dispõem:
“Art. 10. Qualquer que seja o ramo da empresa tomadora de serviços, não existe vínculo de emprego entre ela e os trabalhadores contratados pelas empresas de trabalho temporário”. (grifei)
“Art. 52. É vedado à empresa de trabalho temporário ter ou utilizar, em seus serviços, trabalhador temporário, exceto quando:”
Deste modo, não há como atribuir à agência a responsabilidade objetiva pelos atos do trabalhador, já que a responsabilidade civil das agências de trabalho temporário é subjetiva, tanto com o trabalhador, como em com a utilizadora.
- Conceito de Direito das Obrigações
Nas palavras de Washington De Barros Monteiro: “Obrigação é a relação jurídica, de caráter transitório, estabelecida entre devedor e credor e cujo objeto consiste numa prestação pessoal econômica, positiva ou negativa, devida pelo primeiro ao segundo, garantindo-lhe o adimplemento através de seu patrimônio”.[v]
Assim, o direito das obrigações é o vínculo existente entre pessoas, sejam elas físicas ou jurídicas, denominadas de sujeito ativo e passivo, de conteúdo patrimonial, que tem por objeto uma prestação de dar, fazer ou não fazer alguma coisa.
O direito das obrigações está classificado em diversas modalidades. Para o nosso estudo, será relevante compreender as classificações quanto ao objeto (dar, fazer ou não fazer), e quanto ao resultado.
- Obrigação de fazer
A obrigação de fazer é aquela que depende de uma atitude, a entrega de um resultado por parte do devedor. É chamada pela doutrina como prestação de fato, para diferenciar das obrigações de dar que são prestações de coisas. E dependendo da possibilidade ou não de ser executado pelo devedor ou por terceiro a prestação pode ser fungível ou infungível.[vi]
- Diferença entre obrigações fungíveis e infungíveis
A obrigação será fungível quando o serviço contratado não depender das qualidades pessoais do devedor. Assim, caso o serviço não seja executado pelo devedor, estando ele dessa forma em mora (atraso), o credor poderá mandar que outro o faça às expensas do devedor. É o caso dos serviços de limpeza e conservação, onde o que importa é o serviço realizado no local e hora certa.
Nesse sentido, dispõe o artigo 249 do Código Civil:
“Se o fato puder ser executado por terceiro, será livre ao credor mandá-lo executar à custa do devedor, havendo recusa ou mora deste, sem prejuízo da indenização cabível.
Parágrafo único. Em caso de urgência, pode o credor, independentemente de autorização judicial, executar ou mandar executar o fato, sendo depois ressarcido”.
Assim, não interessa para o credor quem irá executar a obrigação, mas que o serviço seja realizado. Ainda, se o fato for urgente, poderá o credor independentemente de autorização judicial, contratar terceiro para executar a tarefa, requerendo depois a devida indenização.
O mais comum havendo recusa ou mora do devedor é a resolução do contrato, reclamando indenização. Se cumprida a obrigação, extingue-se a relação obrigacional. Se não cumprida, acarreta a responsabilidade do devedor.
Por outro lado, a obrigação será infungível (ou personalíssima) quando as características e qualidades pessoais do devedor forem imprescindíveis, quando o negócio nascer somente por conta dos atributos do devedor, a prestação será “intuitu personae” (em razão da pessoa). [vii]
Nesta hipótese, somente o devedor deverá executar o trabalho, ou seja, só se desobriga cumprindo pessoalmente a tarefa. Deve estar estipulado em contrato que somente o devedor pode satisfazê-la. O obrigado por prestação infungível não pode, sem prévia anuência do credor, indicar substitutos, representantes ou prepostos, sob pena de descumprir a obrigação.
Nesse sentido é o que prevê o artigo 247 do Código Civil:
“Incorre na obrigação de indenizar perdas e danos o devedor que recusar a prestação a ele só imposta, ou só por ele exequível”.
O devedor inadimplente de uma obrigação infungível não pode ser compelido ou constrangido fisicamente a executar a tarefa, portanto, nesses casos, resolve-se em perdas e danos.
Exemplo dessa obrigação infungível é o da agência de trabalho temporário, única sociedade empresária competente para colocação de trabalhadores temporários a disposição de uma utilizadora, em razão da sua habilitação junto a Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia.
- Resultado obrigacional
Resultado obrigacional é a obrigação de fazer. Essa obrigação de fazer pode ser na modalidade de meio ou de resultado. A obrigação é considerada de meio, quando o devedor se compromete a utilizar sua qualificação para atingir um resultado intermediário, cumprindo assim sua obrigação técnica, mas sem responsabilizar-se pelo resultado, ou seja, o devedor não garante nenhum resultado, mas se obriga a desempenhar sua atividade com diligência, perícia e disciplina.
Exemplo dessa modalidade de obrigação de meio é o da agência de trabalho temporário, contratada para colocação do trabalhador temporário à disposição da empresa utilizadora, mas que não se obriga pela qualidade do trabalho prestado por aquela pessoa física, qualificada para a função a ser exercida, como no caso do advogado temporário, que irá substituir uma advogada gestante.
Conforme Caio Mário da Silva Pereira “… nas [obrigações] de meio, a inexecução caracteriza-se pelo desvio de certa conduta ou omissão de certas precauções a que alguém se comprometeu, sem se cogitar do resultado final”[viii].
Nesta mesma linha de pensamento nos conta Silvio de Salvo Venosa que “… nas obrigações de meio deve ser aferido se o devedor empregou boa diligência no cumprimento da obrigação”. E, ainda: “A simples assunção do risco pelo devedor da garantia representa, por si só, o adimplemento da prestação”[ix].
Por outro lado, se a obrigação for de resultado, terá como objetivo a realização de uma atividade que visa obter um resultado final, claro e definido, ou seja, o devedor se compromete a produzir um determinado resultado final e a obrigação só será cumprida se o objetivo for alcançado.
A doutrina de Caio Mário da Silva Pereira aponta que “Nas obrigações de resultado a execução considera-se atingida quando o devedor cumpre objetivo final;”.
Deste modo, no exemplo acima citado, o trabalhador, dotado de qualificação intelectual e profissional, colocado à disposição da utilizadora, obriga-se com esta a entregar determinado resultado com esforço físico e mental de seu trabalho. A agência, por sua vez, é o meio jurídico para o temporário executar as tarefas necessárias para atender ao motivo transitório que justificou a sua contratação, como no caso do advogado temporário.
- Considerações finais.
Após analisar os institutos que envolvem o questionamento central do presente artigo, chegamos às seguintes conclusões:
- Primeiramente, é possível compreender que o contrato de prestação de serviços de colocação de trabalhadores temporários à disposição, realizado entre a sociedade empresária de trabalho temporário e a empresa utilizadora, previsto no artigo 9° da lei 6.019/74, bem como no artigo 71 do decreto 10.854/21, é de natureza civil.
- Consequentemente, deve ser interpretado e regido com fundamento jurídico previsto na legislação processual e material civil, pois, apesar da Lei 6.019/74 ter natureza trabalhista, cria obrigações civis para as partes, como no caso da relação agência – utilizadora (artigo 9° da lei).
- Verifico ainda, que prestação de serviços de colocação de trabalhadores temporários à disposição, só é possível através de uma agência de trabalho temporário devidamente credenciada junto a Secretaria do Trabalho do Ministério da Economia. Assim, a empresa utilizadora não pode firmar o contrato mencionado no artigo 9° da referida lei com qualquer agência de recrutamento ou prestadora de serviços de mão de obra.
- Conforme exposto extensamente nesse artigo, a empresa utilizadora só poderá contratar a agência, para recrutar e selecionar pessoa física, de acordo com duas hipóteses legais (substituição ou demanda) e desde que transitórias e limitadas a 180 (cento e oitenta) dias.
- Além disso, a agência que recruta determinada pessoa física para prestar trabalho temporariamente na utilizadora, fica responsável pelo gerenciamento de sua folha de salários, além de assistir os trabalhadores temporários quanto aos seus direitos, nos termos do artigo 48 do decreto 10.854/21[x], ou seja, a responsabilidade técnica da agência é apenas de fiscalizar os direitos dos trabalhadores, previstos no artigo 12 da lei 6.019/74, conforme entendimento, inclusive, do STJ.
- Embora possua uma relação inicial entre empresas, a natureza dessa relação trabalhista é interposta, o que torna a contratação do trabalhador temporário necessária para sua caracterização, não sendo possível definir os contratos separadamente, como se autônomos fossem, sem que haja uma descaracterização da necessária relação interposta prevista em lei.
- Deste modo, com a contratação desses trabalhadores, se inicia a relação interposta dos contratos, sendo o primeiro contrato civil e o segundo trabalhista, logo a obrigação da agência passa a ser infungível e de meio.
- Isso porque, sua obrigação se resolve com o agenciamento dos trabalhadores, não sendo possível reclamar a ela o bom desempenho no trabalho realizado pela pessoa física (trabalhador), tendo em vista que, o trabalho exercido na utilizadora será por sua própria conta e ordem, sendo a empresa cliente a detentora do poder diretivo, disciplinar e técnico sobre o trabalhador, durante a vigência de seu contrato temporário.
- No mesmo sentido, quanto à fungibilidade do contrato, verifico que, neste caso, a obrigação da empresa de trabalho temporário é personalíssima (infungível), tendo em vista que, em eventual descumprimento de suas obrigações, a agência credenciada não poderá ser substituída por outra durante relação de trabalho temporário celebrada com a mesma pessoa física do trabalhador.
- Em outras palavras, não pode a utilizadora substituir a agência por outra para o cumprimento de suas obrigações para com o trabalhador contratado, pois em caso de inadimplemento pela agência, esta obrigação só poderá ser exigida da própria utilizadora, de forma subsidiária, nos termos do artigo 74 do referido decreto[xi].
- Diante do exposto, concluo que o contrato previsto no artigo 9º da Lei 6.019/74 é um contrato de natureza civil, embora previsto em uma lei preponderantemente trabalhista.
- Deste modo, ainda que, a relação entre agência e utilizadora seja, aparentemente, de resultado e fungível, é na realidade de meio e infungível, pois a relação de trabalho temporário não se resolve nesse momento entre empresas, isso porque sua definição trazida pelo artigo 2º da Lei, só é possível com a presença de três partes necessárias para essa relação: agência, trabalhador e utilizadora.
- Diante disso, concluo que a relação interposta de trabalho temporário, no que diz respeito as obrigações civis da agência, considerando o caráter suplementar do Código Civil para as omissões da CLT, possui classificação obrigacional de meio e infungível.
As presentes conclusões, salvo melhor juízo, foram obtidas em um debate com o corpo jurídico da Employer.
Maio de 2021.
Letícia do Nascimento Pereira – OAB/SP Nº 457214.
Corpo Jurídico – Employer
[i] https://unstats.un.org/unsd/classifications/Econ/ISIC.cshtml
[iii] Súmula nº 331 do TST: I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974).
[iv] BEVILÁQUA, Clóvis, cf. PAMPLONA FILHO, Rodolfo, cf. Novo curso de Direito Civil, cit., p.273
[v] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de direito civil: direito das obrigações 15.ed. São Paulo: saraiva, 1979. v.4
[vi] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 24. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2
[vii] GAGLIANO, Pablo Stolze; PAMPLONA FILHO, Rodolfo. Novo curso de direito civil: obrigações. 15. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 2. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro: teoria geral das obrigações. 11.ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 2.
[viii] (PEREIRA, 1993, p. 214)
[ix] (VENOSA, 2006, p. 154)
[x] Art. 48. Compete à empresa de trabalho temporário remunerar e assistir os trabalhadores temporários quanto aos seus direitos assegurados, observado o disposto nos art. 60 a art. 63.
[xi] Art. 74. A empresa tomadora de serviços ou cliente responderá subsidiariamente pelas obrigações trabalhistas referentes ao período em que for realizado o trabalho temporário.